Esperitualidade Inalda Lopes
As Amarras do Materialismo: Quando a Alma se Encurva Diante das Coisas do Mundo

O Evangelho de Lucas (13,10-17) nos apresenta uma cena comovente e profundamente simbólica. Jesus está ensinando em uma sinagoga num dia de sábado, quando vê uma mulher encurvada há dezoito anos, incapaz de se endireitar. Movido de compaixão, Ele a chama e a cura, dizendo: “Mulher, estás livre da tua enfermidade.”
À primeira vista, podemos enxergar nesse relato apenas uma cura física. No entanto, como explicou o padre Paulo Ricardo em uma de suas omilias mais tocantes, essa mulher representa espiritualmente todos aqueles que hoje estão encurvados pelas amarras do materialismo, incapazes de erguer os olhos para Deus.
Vivemos numa era onde o peso das coisas terrenas se tornou um fardo sobre nossas almas. O homem moderno, mesmo com tantas conquistas tecnológicas, vive encurvado, olhando apenas para o chão — para o dinheiro, para o sucesso, para o prazer, para o consumo. A postura dessa mulher é a imagem viva da humanidade atual: presa às coisas da terra, esquecida das coisas do Céu.
1. A mulher encurvada e o homem moderno
Aquela mulher não conseguia levantar a cabeça. Ela vivia voltada para o chão, o olhar sempre baixo, sem poder contemplar o alto. Assim também somos nós quando deixamos que o materialismo domine nossa vida. Ficamos encurvados pelas preocupações do dia a dia, pelas exigências do mundo moderno, pela ânsia de ter mais e mais.
Quantas pessoas passam o dia todo pensando apenas em dinheiro, em contas, em status, em aparência… e ao final do dia se sentem vazias? Quantas vivem inquietas, ansiosas, cansadas de correr atrás do vento?
Jesus nos lembra: “Não andeis ansiosos pelo que haveis de comer ou vestir… Buscai primeiro o Reino de Deus e tudo mais vos será acrescentado” (Mt 6,31-33). Mas o mundo nos diz o contrário: “Busque primeiro o sucesso, o conforto, o prazer — e talvez depois sobre tempo para Deus.”
Essa inversão é o que nos encurva espiritualmente. Vivemos de cabeça baixa, olhando apenas para o chão, e esquecemos que o nosso verdadeiro lar não é aqui.
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2. As amarras invisíveis do materialismo
O materialismo não é apenas o desejo de possuir bens. É uma forma de escravidão espiritual, um apego desordenado às coisas criadas, que rouba a liberdade interior.
Pe. Paulo Ricardo explica que o diabo não precisa tirar nossa fé para nos afastar de Deus; basta que nos mantenha distraídos e encurvados, preocupados com mil coisas, incapazes de levantar o olhar para o alto.
Quantas vezes nossas orações se resumem a pedir coisas terrenas? “Senhor, me dá um emprego, me dá um carro, me dá uma casa…” — tudo isso é legítimo, não é ilícito. Mas o problema é quando nossa relação com Deus se limita a isso.
A verdadeira pergunta que devemos fazer a nós mesmos é: nossas orações têm sido por bens terrenos ou por bens celestiais?
Pedimos o pão de cada dia, sim — mas lembramos que o pão mais importante é o pão celestial, o próprio Cristo, que se faz alimento da nossa alma na Eucaristia?
3. Marta e Maria: o retrato da alma dividida
O Evangelho nos mostra também a história de Marta e Maria (Lc 10,38-42). Marta estava agitada, preocupada com mil tarefas, enquanto Maria escolheu sentar-se aos pés de Jesus para ouvi-Lo. Marta não fazia nada de errado — afinal, estava servindo —, mas seu coração estava dividido e inquieto.
Assim é o mundo de hoje: vivemos na correria de Marta, mas esquecemos o essencial — a presença de Nosso Senhor. Fazemos muitas coisas, trabalhamos, cuidamos da casa, planejamos o futuro, mas nem sempre com o olhar fixo em Deus.
Santa Teresa de Jesus dizia: “Entre as panelas também anda o Senhor.” Ou seja, podemos e devemos fazer as tarefas do dia a dia, mas sem deixar que elas nos dominem. É possível trabalhar, cuidar da família, organizar a casa, e ainda assim manter o coração voltado para o Céu. O problema não é fazer muito, mas fazer tudo sem Deus.
4. O perigo de uma fé utilitária
O materialismo também penetrou na vida espiritual de muitos cristãos. Hoje, até mesmo a fé se tornou, para alguns, uma espécie de “negócio com Deus”: rezam para receber algo em troca, fazem promessas para obter graças, mas não buscam o relacionamento com o Senhor por amor, e sim por interesse.
Essa é uma forma de oração encurvada, voltada para baixo. O verdadeiro discípulo de Cristo eleva o coração e diz: “Senhor, dá-me o Teu Espírito. Dá-me santidade. Faz-me amar-Te mais.”
Quem busca primeiro o Reino dos Céus não fica sem o necessário — Jesus prometeu: “Tudo mais vos será acrescentado.”
Mas é preciso confiança. É preciso fé para soltar as amarras do controle, da preocupação e da ansiedade que o materialismo causa.
5. Quando Jesus nos endireita
Quando Jesus olhou para aquela mulher e disse: “Mulher, estás livre da tua enfermidade”, Ele não apenas curou seu corpo, mas libertou sua alma. E é isso que Ele deseja fazer conosco: endireitar o que está torto dentro de nós, levantar o olhar do nosso coração.
Talvez você se sinta também encurvado(a) — não no corpo, mas na alma. Encurvado(a) pelas contas, pelos medos, pelas vaidades, pelos desejos deste mundo.
Mas hoje Jesus te chama e te diz: “Vem a Mim. Levanta-te. Olha para o alto.”
A cura começa quando reconhecemos que estamos presos e permitimos que Ele toque em nossas feridas. O Espírito Santo quer nos libertar das amarras que nos impedem de viver em paz.
6. O chamado à conversão do coração
Não é errado desejar uma vida digna, um lar, um trabalho, um sustento. O erro está em colocar essas coisas acima de Deus. Tudo o que colocamos no centro do coração se torna um ídolo — e os ídolos nos curvam.
Nosso Senhor deve estar em primeiro lugar. Ele não quer nos tirar o que temos, mas endireitar o nosso amor, para que usemos as coisas do mundo sem nos tornarmos escravos delas.
O materialismo faz o homem esquecer de onde veio e para onde vai. Mas o cristão que olha para o Céu lembra-se que tudo aqui é passageiro. Como diz São Paulo: “As coisas visíveis são temporais, mas as invisíveis são eternas.” (2Cor 4,18)
7. O pão celestial que nos sustenta
Na oração do Pai-Nosso, quando pedimos “o pão nosso de cada dia”, a Igreja ensina que este pão é antes de tudo o pão espiritual — o próprio Cristo na Eucaristia.
Ele é o alimento que dá sentido à nossa vida.
Por isso, antes de pedir o pão material, devemos pedir o pão do céu: a graça, a fé, o amor, a presença de Deus em nós.
Quando nossa alma se alimenta desse pão, as preocupações terrenas perdem força. Não deixamos de lutar pelo necessário, mas vivemos com paz, sabendo que Deus cuida de tudo.
Erga os olhos para o Céu
A mulher encurvada foi libertada quando Jesus tocou nela. Hoje, Ele quer tocar também em nós. Quer endireitar o coração que se curvou diante do mundo, quer levantar a cabeça de quem vive cansado, preocupado, preso ao que passa.
A pergunta que fica é: por que temos pedido tanto o que perece e tão pouco o que é eterno?
Se o nosso coração estiver em Deus, nada nos faltará.
Se buscarmos as coisas do alto, tudo o mais será acrescentado.
Que aprendamos, como Maria, a escolher a melhor parte — aquela que nunca nos será tirada.
E que o nosso olhar, finalmente, se volte para o alto, onde está Cristo, nossa verdadeira riqueza.
Salve Maria aTodos
								

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